Dr. Herberto Edson Maia, Psiquiatra e Professor da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre.
Temos que primeiro esclarecer que não se trata da morte real da mãe, mas sim de uma imago que se constitui na psique da criança em consequência de uma depressão materna. Essa depressão determina o destino futuro, libidinal, objetal e narcisista deste vir a ser. A hipótese básica e de que o ódio encontrado nos deprimidos é somente um produto secundário, uma consequência mais que uma causa, de uma angustia que traduz a perda sofrida ao nível do narcisismo. O traço essencial desta depressão é que ela se dá na presença de um objeto, ele mesmo absorto num luto. No caso, a tristeza da mãe e a diminuição do interesse pela criança está em primeiro plano. Kevin desta forma matou a mãe sem matá-la. Ele se retirou com ela para um mundo morto onde só os dois estão vivos. Neste mundo onde impera o narcisismo fusional ele consegue ter a mãe só para ele, sem nenhuma perturbação que venha de fora. Essa seria a mais perfeita das formas fusionais, pois Kevin aí poderia viver uma espécie de eternidade uterina. No filme podemos ver que sempre que essa “harmonia odiosa” filho-mãe é ameaçada, Kevin toma atitudes muito inteligentes que deixam a mãe perplexa como se ela fosse a grande louca. Nesta estrutura a incapacidade de amar decorre da ambivalência e portanto da sobrecarga de ódio na medida do que vem primeiro é o “amor gelado” que decorre do rechaço dela ao filho desde o início. Isto gera um desinvestimento afetivo da mãe em relação ao filho que inibe o investimento libidinal erótico que em consequência disto liberando os investimentos destrutivos. Em todos os casos a regressão é para a analidade. Pela analidade, o sujeito não somente regride do Edipo para trás, em todos os sentidos do termo, protege-se também através do obstáculo anal, de uma regressão oral à qual a mãe morta sempre remete, já que o complexo da mãe morta e perda metafórica do seio reverberam entre si. Segundo Green a solução do núcleo do complexo se encontra no protótipo do Édipo, na matriz simbólica que permite que este se construa. O complexo da mãe morta revela então o seu segredo: A Fantasia da Cena Primaria. No filme podemos ver uma cena bem impactante que nos remete a este segredo. Kevin entra no quarto dos pais e presencia uma cena de sexo oral entre os dois. A presença de Kevin se configura como se ele naquele momento fosse os dois ao mesmo tempo, ele amando os dois e ao mesmo tempo os odiando por ser o excluído, sendo que o que o domina é o ódio por ser o excluído. Aí pode-se entender a ambivalência que domina Kevin em relação à mãe. Outra cena do filme nos faz reforçar essa interpretação. A mãe abre a porta do banheiro e encontra Kevin se masturbando, ao ver a mãe, Kevin começa a se masturbar com uma intensidade redobrada no sentido de chocar a mãe ao mesmo tempo em que expressa à fusão libidinal com a mesma de uma forma extremamente agressiva. Segundo Green, se o Édipo permanece sendo a referência estrutural indispensável, as condições determinantes do Édipo não deveriam ser procuradas nos seus precursores genéticos, oral, anal e fálico, vistos sob o ângulo de referências realísticas- pois oralidade, analidade e falicidade dependem de relações de objeto em partes reais- nem tampouco numa fantasmática generalizada de sua estrutura, à maneira de Melanie Klein. Mas na “Fantasia Isomorfa ao Édipo”: “ a da Cena Primaria”. O que conta na cena primaria e é de uma importância capital, não é o fato de ter sido testemunha, mas precisamente o contrário, ou seja, que ela tenha se desenrolado na ausência do sujeito. Então é na hora do encontro de uma conjuntura e de uma estrutura que põe em jogo dois objetos, que o sujeito vai ser confrontado com os traços mnêmicos relacionados com o complexo da mãe morta. Esses traços mnêmicos foram fortemente recalcados pelo desinvestimento. Ficam por assim dizer, em suspenso no sujeito, que só guardou do período relacionado com o complexo uma lembrança muito parcial. A fantasia da cena primaria vai não apenas reinvestir estes vestígios, mas também conferir-lhes, através de um novo investimento, novos efeitos que constituem uma verdadeira “detonação”, uma colocação de fogo na estrutura que torna o complexo da mãe morta significativo no après coup. Voltando ao filme, a cena de sexo oral dos pais presenciada por ele, da a “detonação” necessária para ressignificação dos traços mnêmicos do passado sem a presença do sujeito. A masturbação no banheiro mostra uma forma de identificação agressiva com o pai, dizendo ao mesmo tempo “posso te comer melhor que ele” Todo o ressurgimento desta fantasia constitui uma “atualização projetiva”, tendo a projeção, como finalidade, paliar a ferida narcisista. Green entende a atualização projetiva um processo pelo qual a projeção não apenas livra o sujeito de suas tensões internas, projetando-as no objeto, mas constitui uma “revivescência”, e não uma “reminiscência” uma repetição traumática e dramática atuais.
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