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Foto do escritorCentro de Estudos José de Barros Falcão

"Fragmentado"

Essas elucubrações dinâmicas sobre o filme fragmentado estão sendo escritas na suposição de quem for ler já tenha visto o filme. O paciente da psiquiatra está se tratando psicoterapicamente devido a uma situação clinica que se apresenta ao espectador, como um individuo com vinte e três personalidades. Durante a terapia vemos se desenrolar pelo menos oito personalidades, mas são vinte e três numa lista no seu computador. Poderíamos falar sobre diagnósticos, comorbidades e outras visões sobre diagnostico, mas aqui vou me ater sobre a simbologia fantástica que permeia o filme, tentando aproxima-la da nossa experiência psicológica mais imediata, isto é, a experiência existencial imediata. Na nossa experiência comum do dia a dia estamos sempre vivenciando estados afetivos que são acompanhados por pensamentos mutantes que estão o tempo todo se modificando. Nenhum desses pensamentos afetos está aparecendo independentes da nossa consciência do momento. A consciência através da atenção e da memória vai controlando esse desenrolar sem nenhuma descontinuidade que gere uma estrutura de personalidade independente. No caso do filme, a consciência se estrutura de forma diferente, integrando as formas de pensamento afeto e conduta como uma personalidade independente, como se varias pessoas vivessem naquele corpo. No nosso normal como pessoas únicas somos capazes de controlar todos os estados de pensamento, afetos e condutas de uma forma integrada como uma identidade única. Podemos dizer que somos habitados por vários de nós como núcleos de nossas loucuras privadas, mas sempre sob o controle de uma centralidade. Exemplos: um núcleo neurótico, outro quase psicótico, outro histérico, outro obsessivo compulsivo, outro adicto, e por aí afora. Na metáfora do filme as diferentes personalidades vão se apresentando em sequencia, mas vemos que entre elas há uma tendência a serem dominantes e com um secreto intuito de integração. Voltando agora para a psicoterapia que o personagem está fazendo. A terapeuta está tentando cura-lo das múltiplas personalidades. Aqui temos que examinar em mais detalhes quais são as origens de todos os problemas que nos afligem. O que nos leva a fazer uma psicoterapia? Geralmente é um grau de sofrimento psíquico ligado a uma zona trauma. Esses traumas são universais no sentido de que todos nos os temos em maior ou em menor grau. Voltamos ao filme, o protagonista foi intensamente violentado pela mãe, devido a sua ação onipotente e agressiva gerando insegurança, duvidas, vergonha e culpa, como se pode ver em uma das cenas em que a mãe aparece furiosa com ele. A partir daí podemos dizer que para ele poder aguentar uma enorme carga de agressividade da pessoa mais importante para ele, o caminho seria a dissociação. Podemos ver que cada uma das personalidades apresentadas guardava em si certo grau de agressividade, medo, ciúmes, inveja, dominação enfim todos os tipos de afetos que nos dominam. Podemos usar a metáfora que cada personalidade seria usada para carregar a carga afetiva matizada por todos os afetos negativos, que se ele ficasse com uma só personalidade o peso poderia levar a morte. Voltando para as pessoas comuns que vivem sofrimentos que geram uma dor psíquica que vai aumentando ate se apresentarem sintomas que atrapalham toda a vida de relacionamento tanto interna como externa. A psicoterapia então e procurada como vemos no filme. Nestes casos o objetivo é o mesmo buscar uma melhor integração dos traumas arcaicos de uma forma que se fique livre dos sintomas. Voltando ao filme, a menina esquisita, entre as três raptadas, o trauma se desenvolveu devido ao abuso sexual pelo tio. O interessante no caso dela e que parece que o trauma do passado ao ser atualizado no presente pelo sequestro ao mesmo tempo em que é agressivo e parece sem saída, ativa as defesas que a ajudaram a sobreviver sem dissociações tão grandes como a do sequestrador. Nela podemos levantar a hipótese de que ao se manter ainda sob o domínio do tio como vemos nas ultimas cenas do filme quando ela foi salva, é mais complexa. E todas as complexidades dinâmicas nos aproximam de paradoxos que parecem irresolvíveis. O paradoxo aqui e que ela e salva pelo pai bom que a ensina a caçar e pelo tio mau que abusa. Então aqui nos aproximamos de outra metáfora do filme. Esse paradoxo diz o seguinte, ela e salva por ser pura, e ficou pura por ter passado pela impureza do abuso, e o que a tornou pura foi o sofrimento dentro do negativo da experiência. No caso do protagonista, que estava em psicoterapia e também era puro pelo sofrimento vivido, o objetivo era a integração de todas as personalidades numa só. No caso especifico dele a integração com a terapeuta levou a morte da mesma devido a uma forma simbólica. A terapeuta e um equivalente do pai e da mãe, pois no nível inicial de desenvolvimento arcaico as relações são primeiramente diádicas, fusão com a mãe, e depois triádicas quando o pai ate momento fundido com a mãe, aparece gradativamente como figura externa. O ser maior que seria a Besta e integrador de todas as personalidades na metáfora psicoterápica, significa um ser maior mais forte integrado num narcisismo mais maduro. Na linha maligna ele seria um comedor de impuros para purifica-los. Aqui podemos lembra o Estado islâmico que através da morte e da tortura eleva o infiel ao céu deles através da morte tornando-o então puro. Podemos chamar isso de bondade negativa, pois ela só vem com a morte. Agora falando na personalidade Fera do filme. Parece ser uma personalidade maligna que incorpora todas as outras e age de uma forma assassina comendo os impuros. Essa metáfora pode estar nos dizendo que as impurezas são as nossas dissociações e que a integração vem pela fantasia incorporativa tendo como modelo a digestão que nos equaliza. As duas moças impuras que são devoradas pela Fera demonstram o modelo digestivo de integrar dissociações equivalentes aos sintomas neuróticos. A terapeuta e morta pela Fera dessa forma metafórica em que o abraço que a destrói ao mesmo tempo a incorpora ao seu corpo o tornado mais forte. Em qualquer terapia o grande objetivo é gerar o que podemos chamar de capacidade negativa, isto é a capacidade de se lidar cada vez melhor com frustrações, indecisões, duvidas, mistérios e indeterminações sem que as angustias, ansiedades e estados depressivos toldem nossas capacidades de encontrar o melhor caminho. Com isso quero dizer que o terapeuta vai sendo incorporado pelo paciente no que podemos chamar de zona terceira que é criada na terapia e de onde tanto os terapeutas como o paciente pensam e reforçam a estrutura da capacidade negativa que vai se tornando cada vez mais própria do paciente. Então visto assim a euforia epifânica da Fera ao comer as impuras e ao matar a terapeuta e resistir aos ferimentos que a menina pura lhe inflige, (Psicodinamicamente a terapia nos faz capaz de enfrentar desafios maiores) ate perceber pelas cicatrizes na pele que ela é uma igual e portanto merece viver na nova ordem a deixa em paz. Isso vem a confirmar o que o paciente sente quando a terapia o integra cada vez mais na evolução alta do narcisismo através do humor e empatia consigo mesmo e com os outros, vendo que a vida é um fluxo constante que vai à direção da velhice e da morte. Podemos afirmar então que essa zona terceira e uma chave que abre um espaço potencial interno que origina a possibilidade criativa levando ao novo e ao inédito. Voltando ao filme. A terapeuta preocupada com o desenvolvimento do seu paciente apresenta um trabalho em um congresso em que se discutem as possibilidades de que a personalidade na sua manifestação psíquica pode influenciar o corpo físico. Sabemos através dos estudos psicossomáticos que realmente há uma unicidade psicofísica. A metáfora aqui volta ao nível simbólico da melhora pela melhor integração pela psicoterapia pode realmente melhorar a saúde física. Numa visão critica elementar podemos dizer que a terapeuta morreu por não ser capaz de ver a gravidade do problema. Mas se entendermos pelo lado simbólico o paciente incorporou de tal forma a ajuda psicoterápica que se fusionou com a capacidade analítica da terapeuta e integrou as 23 personalidades na Fera gerando uma vivencia de plenitude epifânica equivalente ao que podemos metaforizar como um pacto Faustiano.


Dr. Herberto Edson Maia

Psiquiatra e Professor da UFCSPA.



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